Para cada site
que você pode visitar, existem pelo menos 400 outros que não consegue
acessar. Eles existem, estão lá, mas são invisíveis. Estão presos num
buraco negro digital maior do que a própria internet.
A cada vez que você interage com um amigo nas redes sociais, vários
outros são ignorados e têm as mensagens enterradas num enorme cemitério
online. E, quando você faz uma pesquisa no Google, não recebe os
resultados de fato - e sim uma versão maquiada, previamente modificada
de acordo com critérios secretos. Sim, tudo isso é verdade - e não é
nenhuma grande conspiração. Acontece todos os dias sem que você perceba.
Pegue seu chapéu de Indiana Jones e vamos explorar a web perdida.
Primeira
parada: Facebook. Quando você acessa a sua conta, a primeira tela que
aparece é a do chamado Feed de notícias - aquela lista com os últimos
comentários e links postados pelos seus amigos. Essa página é editada
pelo Facebook, e só inclui as mensagens das pessoas com as quais você
mais interage. Você pode anular essa edição - basta clicar no link "Mais
recentes" e o Facebook mostrará, em ordem cronológica, todas as
mensagens de todos os seus contatos. O problema é que isso lotará o seu
feed de lixo, com grande quantidade de atualizações irrelevantes (o que
interessa se aquele seu ex-colega que você não vê há anos trocou de
namorada ou está saindo de férias?). Conclusão: a edição de conteúdo
feita pelos robôs do Facebook é boa para você. Exceto quando não é.
O escritor
americano Eli Pariser apoia o partido Democrata, de Barack Obama, mas
também tem amigos que votam no partido Republicano. De um dia para o
outro, Pariser notou que os republicanos sumiram do seu Facebook. Ele
estranhou e foi fuçar na configuração do site, achando que tivesse feito
algo errado. Que nada: os robôs é que tinham decidido que ele não
precisava ter amigos de direita. O Facebook tomou uma decisão
político-ideológica e a impôs ao usuário. "A personalização da internet
reforça os estereótipos e as crenças que a pessoa já tem", explica
Viktor Mayer-Schoenberger, pesquisador de internet da Universidade de
Oxford.
Em outros
casos, os robôs do Facebook podem causar conflitos familiares. Foi o que
aconteceu com o analista de sistemas Rodolfo Marques. Seu irmão, Diogo,
é músico e postou um clipe no Facebook. Mas Rodolfo nem ficou sabendo -
só porque, como ele não costumava falar com Diogo pela internet, os
robôs deduziram que não se tratava de uma pessoa importante. "Achei que
ele não tinha gostado do vídeo", conta Diogo.
O Google também
manipula o que você vê na internet: cada pessoa pode receber um
resultado diferente para a mesma pesquisa. O buscador usa critérios como
o histórico das páginas que a pessoa visitou, o lugar onde ela está e
até o navegador que utiliza. Ao todo, o Google aplica mais de 100
variáveis (elas são mantidas em segredo para que outros buscadores não
as copiem) para personalizar os resultados.
E isso tem
consequências profundas. Numa experiência feita pela Universidade de
Londres, os cientistas criaram 3 personagens fictícios, que foram
batizados de Immanuel Kant, Friedrich Nietzsche e Michel Foucault - 3
dos maiores filósofos de todos os tempos. Cada personagem usava o Google
para fazer pesquisas sobre os próprios livros. A intenção era induzir o
site a traçar um perfil psicológico de cada um deles. Deu certo. Depois
de alguns dias, o Google começou a gerar resultados completamente
diferentes para as mesmas buscas. E isso acontece com todo mundo, todos
os dias. A SUPER refez a experiência e obteve resultados parecidos (veja
no infográfico).
"Os usuários
podem desabilitar a personalização", defende-se Kumiko Hidaka, gerente
global do Facebook. O Google também permite isso (veja em abr.io/1IMA
como fazer). Mas o que os sites de busca escondem do usuário é só uma
parte do problema. Outro, talvez ainda maior, é o que nem eles mesmos
conseguem ver.
No fundo da web
Quando você faz
uma busca no Google, ele não sai percorrendo a internet inteira à
procura da informação que você quer. Seria muito demorado. O Google
consulta seu Índex, um acervo com cópias de 46 bilhões de páginas da
internet.
É uma
enormidade. Mas é muito menos do que realmente existe por aí. Nada do
que é postado no Facebook, que tem 750 milhões de usuários e é a maior
rede social de todos os tempos, aparece nos resultados do Google.
Estima-se que o Google e os demais buscadores só consigam acessar 0,2%
de toda a informação realmente contida na rede. Todas as demais páginas,
que ninguém sabe exatamente quantas são e onde estão, formam a chamada
deep web - a web profunda. Esses sites ocultos ficam escondidos por
vários motivos. Se uma página exigir assinatura e for protegida com
senha (como sites de jornais e revistas),
os robôs rastreadores do Google não conseguem entrar nela, e não a
copiam para o Índex. O Facebook bloqueia a entrada dos robôs do Google,
pois não quer que seu conteúdo apareça no buscador (o que poderia roubar
audiência do Facebook). Também há bases de dados online que não estão
em HTML - linguagem que o Google entende.
Se o Google
conseguir desbravar a web profunda, a vida vai ficar muito diferente.
Não haverá mais sites especializados em busca de hotéis,
imóveis, passagens aéreas etc. Você não precisará entrar na página da
Receita para saber se liberaram a restituição de imposto - bastará
digitar seu CPF no Google - nem acessar o site do plano de saúde para
procurar um médico. Tudo isso, e todo o resto, estará no próprio Google.
Ele já tem uma
equipe de pesquisadores tentando explorar essa internet perdida. O time é
liderado por Alon Halevy, cientista da computação da Universidade de
Washington. "Nós desenvolvemos softwares que conseguem encontrar as
informações de maneira mais inteligente", diz Halevy. Como? Uma das
principais táticas dos robôs do Google é o chute.
Sim, chute. Quando encontra um banco de
dados que não entende, o robô começa a procurar vários termos:
"apartamento", "conversível" e "lycra", por exemplo. Se a palavra
"apartamento" estiver presente, é porque aquele site contém informações
sobre imóveis. Se "conversível" funcionar, é porque se trata de uma
tabela com preços de carros. E por aí vai. Sabendo do que se trata, o
Google consegue adicionar as informações a seu Índex - e colocá-las ao
alcance de todo mundo.
O problema é
que as informações estão espalhadas pela web de maneira caótica, e
achá-las é como descobrir uma agulha num palheiro. "Precisamos de um
rastreador mais eficiente", explica a brasileira Juliana Freire,
professora da Universidade de Utah. Ela é a criadora do DeepPeep, um
projeto que pretende tornar acessíveis todos os bancos de dados da
internet.
Com tanta
informação perdida ou oculta, a internet ainda está longe de alcançar
todo o seu potencial. Ela pode, precisa e vai ficar muito melhor.
Enquanto não fica, crie o hábito de ir além dos seus sites preferidos e
reserve um tempinho para explorar os cantos da internet que você não
conhece. Se Nietzsche, Foucault e Kant estivessem vivos, eles certamente
fariam isso.
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